Monday, January 29, 2007

Os Refugiados

Shaar Aliyah, 1950. Campo de refugiados judeus Rosh Hay’n, Haifa.

Na primeira parte desta série de artigos publicados no Ma’ariv, Ben Dror Yemini analisou a ausência de reacção mundial face aos massacres de árabes e muçulmanos, geralmente perpetrados por árabes e muçulmanos. O silêncio do mundo tem um significado especial devido à intensa exposição mediática e académica do conflito entre Israel e os palestinianos, com milhares de publicações a acusarem Israel de cometer um “genocídio” que não existe. Na verdade, tal como foi amplamente demonstrado, o conflito israelo-palestiniano provocou um número de vítimas mínimo quando comparado com conflitos similares no resto do mundo.Neste capítulo, Ben Dror Yemini analisa o problema dos refugiados de uma forma global, com destaque especial para a relação de dualidade da ONU e da comunidade internacional para com o problema dos refugiados em geral, e dos refugiados palestinianos em particular. O original em hebraico pode ser lido aqui: והעולם משקר

um artigo de Ben Dror Yemini


Começo com uma história que, à partida, parece bastante familiar. Num certo Estado, que em tempos pertencera ao Império Otomano, havia uma vasta minoria muçulmana. A maioria não muçulmana e a minoria muçulmana não morrem de amores uma pela outra. A minoria e a maioria têm uma história triste entre si, repleta de actos de hostilidade mútua. Numa certa etapa do conflito entre os dois grupos, a maioria forçou uma parte considerável da minoria muçulmana a abandonar este Estado, e a emigrar para um país onde a minoria faz parte da maioria, em termos religiosos, étnicos e nacionais.

Não, não estou aqui a falar de israelitas e palestinianos. Esta é a história da minoria turca da Bulgária. E não, isto não aconteceu há 200 anos. Tudo isto teve lugar há menos de 20 anos, no final da década de 80. Ao todo, mais de 300 mil muçulmanos foram forçados a abandonar o país. Não foram transferidos à força, de forma violenta, mas foram fortemente pressionados a transferir-se.E se o leitor nunca ouviu falar do seu “direito de retorno”, ou em mil e uma organizações e intensa propaganda para ajudar os refugiados da Bulgária, nem sequer em campos de refugiados, é apenas por uma simples razão: eles não são palestinianos. Porque, tal como os turcos da Bulgária, há milhões e milhões de pessoas, largos milhões por todo o mundo, que foram forçadas a abandonar as suas antigas pátrias em resultado de mudanças políticas ou pelo traçado de novas fronteiras.

O mundo está repleto de refugiados
Transferências populacionais foram em tempos encaradas como a forma mais eficaz para resolver conflitos religiosos e étnicos entre populações (alguns continuam ainda a encara-la como a resposta mas adequada). Há menos de um século, um geógrafo norueguês, Fridtjof Nansen, procurou uma solução para o complexo conflito entre a Turquia e a Grécia. Nansen planeou e executou um plano de transferência de populações sob os auspícios da comunidade internacional. Por causa dele, Fridtjof Nansen venceu o Nobel da Paz em 1922. Voltaremos a falar dele mais tarde.
Não, com isto não estou a defender a transferência dos palestinianos. Vivemos numa época diferente. A ética internacional é também produto do tempo, do enquadramento e das circunstâncias. Nem todas as soluções que se adequaram aos tempos bíblicos servem também para os dias de hoje. O apoio a uma solução que passe pela transferência está hoje fora da lista de recomendações para o Nobel da Paz.
Mas a verdade é que o mundo está cheio de comunidades inteiras que foram forçadas a abandonar um país ou uma região e a ir viver noutro local. Se fosse a eles aplicada a mesma definição que foi criada unicamente para os palestinianos – definindo-os como refugiados, no que diz repeito à abordagem internacional e ao largo número de organizações que existem para os proteger – seriamos muito provavelmente testemunhas de uma guerra mundial generalizada. Milhões de hindus teriam de regressar ao Paquistão. Dezenas de milhões de muçulmanos retornariam à Índia. Os estados dos Balcãs seriam obrigados a submeter-se a alterações populacionais tremendas que resultariam no reagrupamento de várias populações e no reacender de inúmeros conflitos regionais.
É verdade que ninguém contempla esta ideia. É verdade que ninguém pensa que os muçulmanos devem regressar à Grécia ou à Bulgária, que os cristãos precisam de voltar à Turquia, que os alemães devem voltar à República Checa, e assim sucessivamente. Isto porque, se o “direito de retorno” for executado inúmeros países entrariam em colapso, desintegrando-se, dando início a uma era de permanentes banhos de sangue.

“Direito de retorno” como “trunfo para a destruição de Israel”
Felizmente, o mundo actual tem sanidade mental. Não exige a imposição a si próprio deste massacre global que desmantelaria países e causaria o seu colapso. O mundo actual tem sanidade mental… até se começar a falar dos palestinianos. A este ponto ensandece. Preto torna-se branco e branco transforma-se em preto. Tudo o que se aplica a todos os outros conflitos do mundo, inverte-se quando está em causa a pequena nesga de terra dos judeus.
Subitamente, tudo o que foi verdade para a Bulgária, para a Turquia, para a Grécia, para a República Checa, para a Índia, para o Paquistão e para dezenas de outros países, não é verdade no que respeita a Israel, que é obrigado a corresponder a outros critérios. Critérios opostos. E aqui também, um coro inteiro de organizações internacionais tem como missão uma causa única: propagar à escala mundial propaganda que perpetua e intensifica o problema dos refugiados palestinianos.
A direcção tomada por muitas outras organizações é ainda mais clara: forçar a Israel, e só a Israel, uma solução conhecida pelo nome de código “direito de retorno”, que claramente produziria uma tremenda erupção vulcânica. Muitos há que apoiam esta solução por ignorância ou ingenuidade. Mas muitos outros apoiam-na porque o seu objectivo não é nem um acordo nem uma solução. O seu objectivo é a erupção da violência. Ou como Saker Habash, um dos conselheiros de Yasser Arafat, disse: “o direito de retorno é um trunfo que significa a destruição de Israel.”

Não irei dissecar aqui todas as grandes migrações da História. Não se exige que os árabes que invadiram a Ásia, a África e a Europa retornem à sua terra natal; nem é exigido que os conquistadores brancos da América regressem à Europa – que não só capturaram, ocuparam e pilharam uma terra que não era sua como também cometeram, incidentalmente, pesados crimes contra a humanidade.Proponho-me examinar apenas as trocas populacionais que ocorreram desde o início do século XX. E mesmo assim, não iremos analisar todas, porque o espaço é limitado, mas apenas aquelas que têm algumas semelhanças com as trocas populacionais ocorridas entre Israel e os países árabes vizinhos. Trocas que tenham um pouco de tudo: expulsões, fugas e partidas voluntárias de ambos os lados.

O objectivo da UNRWA:Perpetuar o estatuto dos refugiados palestinianos

Entre 600 a 800 mil árabes abandonaram Israel em direcção aos países árabes vizinhos. Um número equivalente de judeus abandonou países árabes em direcção a Israel. Isto ocorreu como parte de um processo global – dezenas de milhares de trocas populacionais que tiveram como pano de fundo a criação de novos países com características étnicas ou religiosas. Dezenas de milhões de pessoas tomaram parte nestas migrações. Nem uma única, de entre estes largos milhões, permanece como refugiado. Incluindo aqueles que chegaram a Israel. Este título é reservado apenas e somente aos refugiados palestinianos.

Esta duplicidade de padrões e critérios começa – mas não acaba – com o facto de existirem duas organizações da comunidade internacional responsáveis pelos refugiados. A primeira é para todos os refugiados do mundo, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) [ver United Nations High Commissioner for Refugees ], e a segunda, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos no Médio Oriente (UNRWA) [ver United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East ], lida apenas com os palestinianos, de acordo com uma resolução especial da ONU.

Enquanto o objectivo da primeira organização é ajudar os refugiados a começar de novo as suas vidas e a deixarem de ser refugiados, o propósito da UNRWA é exactamente o oposto: o objectivo é perpetuar o seu estatuto de refugiados. Dezenas de milhões de refugiados deixaram de o ser graças a programas de ajuda da ONU. Mas nem um único refugiado palestiniano perdeu este título. Bem pelo contrário, os seus números crescem de ano para ano.

A definição da ONU força o aumento do número de refugiados

Existe também uma diferença marcada no que diz respeito à definição do termo “refugiado”. Quando se trata dos palestinianos, um refugiado é qualquer pessoa que tenha residido no espaço do Mandato Britânico da Palestina entre Junho de 1946 e 1948. A questão é que alguém que tenha chegado à Palestina como imigrante em 1946 é automaticamente definido como um refugiado palestiniano, mesmo que fosse um cidadão egípcio [como Yasser Arafat, por exemplo], sírio, jordano ou libanês. Dois anos de residência temporária na Palestina fazem com que qualquer um seja incluindo na lista de pessoas de que a UNRWA toma conta perpetuamente.

Isto não se aplica a um refugiado normal, que precisa provar detalhadamente a sua condição para receber assistência da UNHCR. Mas não é tudo. A definição geral da ONU, que serve para toda a gente, estipula que quem se integra num outro país, tornando-se um cidadão activo, deixa de ser refugiado. Na Jordânia há centenas de milhares de palestinianos que receberam cidadania jordana. Alguns são mesmo ministros no actual governo. Mas, de acordo com a segunda estranha definição da ONU, eles são ainda refugiados.

Mas há ainda uma outra diferença substantiva e importante. No que diz respeito aos refugiados normais, é apenas o indivíduo que é considerado refugiado. Não os membros da família e certamente que não as gerações futuras. Em relação aos refugiados palestinianos a situação é mais uma vez invertida. O estatuto de refugiado torna-se genético. Substância para as gerações vindouras. Mesmo que os seus filhos, ou os filhos dos seus filhos, nunca tenham visto a Palestina, e mesmo que sejam tão ricos quanto Bill Gates, serão sempre refugiados palestinianos.

E assim, com a sanção das Nações Unidas, o “problema dos refugiados” é perpetuado. É assim que os seus números continuam a crescer com o passar dos anos. E assim se gerou um monstro com um propósito único: criar um problema que evite a resolução do conflito.



Conflitos regionais: 10 milhões expulsos nos Balcãs
Segundo todos os critérios internacionais, o “problema dos refugiados palestinianos” teria terminado tão depressa quanto começou: o número de palestinianos que deixaram Israel é semelhante, senão mesmo idêntico, ao número de judeus deslocados de países árabes [ver Jewish exodus from Arab lands ]. Israel não foi o único local do mundo onde permutas populacionais foram levadas a cabo na sequência de conflitos religiosos ou nacionais. Em todos os outros locais do mundo onde tal ocorreu a história ficou-se por ai. Mas não aqui. Aqui a duplicidade de padrões volta a fazer uma aparição inevitável. De maneira a compreender o quanto de manipulação histórica e política está aqui em jogo, tentarei rever outras ocasiões em que se registaram fluxos populacionais semelhantes.
Nos últimos 100 anos, os Balcãs foram palco de enormes expulsões, transferências e fugas em massa em consequência de guerras, desde a primeira Guerra dos Balcãs, de 1912, até à mais recente Guerra do Kosovo, em 1999. O número de pessoas que tomou parte nestas imensas vagas migratórias situa-se entre os 7 e os 10 milhões. Não citarei todas as migrações, mas apenas alguns exemplos chave.
A primeira vaga no período em questão começa em 1915, após a primeira Guerra dos Balcãs. Nesta vaga, 200 mil otomanos foram para a Turquia; 150 mil gregos retornaram à Grécia e 250 mil búlgaros voltaram à Bulgária.
A Primeira Guerra Mundial provocou uma onda migratória ainda mais considerável. O número de sérvios forçados a abandonar as suas casas é estimado em mais de 750 mil. Outros 250 mil foram internados em campos de trabalhos forçados na Bulgária e na Hungria. Muitos outros morreram na sequência de longas marchas forçadas em direcção ao Adriático.

A transferência populacional nos Balcãs e o Nobel da Paz
Depois da guerra, 300 mil búlgaros, residentes em territórios que a Bulgária controlava antes da guerra, foram forçados a ir para a Bulgária.
O mesmo aconteceu a 200 mil húngaros obrigados a deixar a Transilvânia. Um número equivalente de húngaros foi forçado a abandonar territórios que pertenciam agora à Jugoslávia e à Checoslováquia.Os anos 20 produziram outra onda que é mais substantiva para a nossa análise. A grande vaga migratória foi efectuada depois de um acordo alcançado entre a Turquia, a Grécia e a Bulgária, firmado em Lausana. Esta migração envolveu a transferência aproximada de 1,5 milhões de cristãos da Turquia para a Grécia; de 500 mil muçulmanos da Grécia para a Turquia e de 80 mil búlgaros para a Grécia.
É de notar que nem todos os cristãos foram transferidos para a Grécia e que nem todos os muçulmanos para a Turquia, mas o objectivo foi o de criar uma hegemonia étnica e religiosa. Em 1922, completada a transferência populacional, Fridtjof Nansen foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz por ter concebido e executado o plano.
Eventos anteriores à Segunda Guerra Mundial, e durante o conflito, trouxeram igualmente vagas migratórias significativas, entre as quais a fuga de milhares de sérvios da Croácia, perseguidos pela polícia pró-nazi, bem como a absorção da Transilvânia pela Hungria, que obrigou à partida de cerca de 200 mil romenos do território.

Onde não há “direito de retorno”
Kosovo: Cerca de 800 mil albaneses foram expulsos no decurso do conflito de 1999. A maioria retornou ao Kosovo depois da intervenção militar da NATO. Mas antes, 150 mil sérvios abandonaram as áreas onde os albaneses étnicos estavam em maioria. Um número equivalente de sérvios deixou o Kosovo depois da guerra, receando retaliações por parte dos albaneses.
Centenas de milhares de pessoas em todos os conflitos da região perderam as suas casas (principalmente na Bósnia Herzegovina) e foram compelidos a emigrar para outros países. Os números totais exactos são desconhecidos. O número de croatas deslocados pelas tropas sérvias durante a guerra, por exemplo, é estimado em cerca de 170 mil. A verdade é que para a comunidade internacional ficou bastante claro que não havia forma de evitar as transferências populacionais, de maneira a impedir conflitos adicionais.
Mas tudo isto é insuficiente para descrever de forma adequada as migrações nos Balcãs, que envolveram ao todo entre 7 a 10 milhões de pessoas. Em alguns casos, as vagas migratórias surgiram em consequência de limpezas étnicas, em outros como resultado de genocídio (tal como aconteceu na letal transferência forçada pelos turcos contra os arménios), e por vezes, tal como aconteceu no caso do Plano Nansen, elas foram o resultado de acordos. O denominador comum entre todas foi a tentativa de criar hegemonias étnicas ou religiosas dentro das fronteiras dos estados. Em qualquer dos casos, nunca existiu um qualquer reconhecimento do “direito de retorno”, com excepção do raro caso dos sérvios que receberam autorização para retornar à Croácia – um direito que mesmo assim lhes foi negado na prática.

12 milhões de refugiados alemães reabilitados em poucos anos
Após a Segunda Guerra Mundial, a fronteira polaca foi restabelecida ao longo do traçado proposto segundo a Linha de Curzon, em 1919 [ver Curzon Line]. Esta nova demarcação territorial resultou na transferência forçada de 1,4 milhões de polacos e ucranianos. Os polacos que permaneceram a leste da Linha de Curzon foram forçados a mudar para o lado da Polónia e vice versa para os ucranianos. O objectivo, tal como nos Balcãs, era reter uma hegemonia religiosa e étnica dos dois lados da fronteira.
Os movimentos populacionais forçados que se seguiram foram decididos na Conferência de Postdam, em 1945, logo após o final da Segunda Guerra Mundial. Há centenas de anos que existiam comunidades alemãs em várias partes da Europa oriental e do sul da Rússia. Estas comunidades foram acusadas de apoiar os nazis e de fomentar conflitos nacionalistas. Na verdade, na Sudetenland da Checoslováquia, por exemplo, uma maioria dos alemães apoiara os nazis o os seus objectivos. Mas milhões de outros alemães na Sudetenland, Roménia, Hungria e Polónia nunca se contaram entre os apoiantes de Hitler. Mesmo assim, na Conferência de Postdam foi decidido transferir estas populações germânicas.
Em consequência da decisão, entre 12 a 16 milhões de alemães foram forçados a emigrar contra a sua vontade. Muitos foram massacrados durante a transferência. Navios alemães usados na transferência foram torpedeados. Fontes alemãs alegam que cerca de 2,5 milhões de pessoas foram mortas durante esta migração forçada.
Poucos anos após a expulsão não havia um único alemão a viver num campo de refugiados e o tema da expulsão, e do terrível sofrimento infligido aos alemães – muitos dos quais não tinham culpa nenhuma dos crimes nazis – deixou de fazer parte da agenda política alemã. Tudo o que hoje resta é uma única organização, a BdV [Bund der Vertriebenen, Federação dos Expulsos], um grupo marginal na cena política alemã, apoiado principalmente pela extrema-direita. A deputada conservadora Erika Steinbach é hoje a única pessoa no parlamento alemão que ainda fala das questões dos expulsos e dos seus direitos, mas o consenso na Alemanha é que neste caso não existem direitos de compensação e muito menos de retorno.

Índia: 14 milhões de refugiados rapidamente absorvidos
Durante décadas, hindus e muçulmanos trabalharam em conjunto para assegurar a independência da Índia face à longa ocupação do império britânico. Mas, assim que a independência se afigurava como um objectivo cada vez mais alcançável começaram também a aumentar as tensões entre os dois grupos, culminando numa grande cisão. Aos poucos, a ideia de criar um estado separado para os muçulmanos começa a ganhar forma. Na segunda metade da década de 30, a causa muçulmana assegura o apoio de Muhammad Ali Jinnah, que até então tinha sido amigo e conselheiro de Mahatma Gandhi e do Congresso Nacional Indiano.
Enquanto Jinnah pretendia agora criar um estado hegemonicamente muçulmano, independente dos britânicos e da Índia, Gandhi tentou tudo para estabelecer um país unificado que incluiria hindus, sikhs e muçulmanos. Isto não abonou em seu favor aos olhos de muitos – Gandhi foi assassinado por extremistas hindus que acreditavam que ele estaria a ceder demasiado em favor dos muçulmanos.
A 14 de Agosto de 1947, com a cessação da ocupação britânica, foram criados dois estados separados: a Índia e o Paquistão. No seguimento da declaração de independência mais de 7 milhões de hindus foram transferidos do Paquistão para a Índia e um número equivalente de muçulmanos fez o caminho em sentido contrário. Esta vaga migratória foi executada por entre um escalar de tensões que provocou entre 200 mil a um milhão de mortos.Desde então, o Paquistão tem permanecido um país maioritariamente muçulmano. Actualmente na Índia, com cerca de mil milhões de habitantes, existe uma minoria muçulmana que representa 16% da população total do país.Um foco de tensão que permanece em aberto é a parte indiana da região de Caxemira, onde a maioria da população é muçulmana.A absorção dos refugiados em ambos os lados não foi fácil. Mas hoje não existem indianos ou paquistaneses que se definam como “refugiados”. Tanto de um lado como do outro, eles integraram-se totalmente nos seus novos países.

UNHCR: serviu para os refugiados arménios,não serve para os palestinianos
O colapso da URSS levou à criação de novos Estados com fronteiras traçadas ao longo de linhas étnicas e religiosas. Assim, por exemplo, muitos dos muçulmanos chechenos, que na época de Stalin foram dispersos por outras repúblicas, regressaram à Chechénia e à suas guerras.
Um outro caso, talvez mais relevante à nossa análise, é o do território conhecido como Nagorno Karabakh – uma região na qual a maioria da população é arménia, mas que fica situada no Azerbajão, um país cuja população é maioritariamente muçulmana [ver Nagorno-Karabakh]. O conflito na área tem uma longa história e foi reacendido logo a seguir à criação das repúblicas independentes, com o desmantelamento da União Soviética. A região arménia, que alcançara uma autonomia parcial, pediu em 1988 para ser anexada à Arménia.Actos de barbárie cometidos contra os muçulmanos na Arménia, e contra os arménios no Azerbaijão, criaram movimentos de refugiados em ambas as direcções. Mais tarde, a tensão transformou-se numa guerra verdadeira. A Arménia ocupou a maior parte do território em disputa.Em 1994 foi alcançado um cessar fogo, mas o conflito criara cerca de um milhão de refugiados – cerca de 360 mil cristãos arménios deslocados para áreas sob o controlo arménio, e cerca de 740 mil muçulmanos deslocados para áreas controladas pelo Azerbaijão. Mas há mais uma coisa interessante: no Azerbaijão há campos de refugiados, e para eles praticamente não existe qualquer processo de assimilação e integração.
A Arménia, por outro lado, está a fazer um esforço em colaboração com a UNHCR, a organização internacional para os refugiados, no sentido de absorver os refugiados e de os instalar de forma definitiva. Por seu lado, a UNWRA está a fazer um esforço em sentido contrário: tudo menos a absorção de árabes e muçulmanos em países árabes e muçulmanos.

Sudão: uma fábrica de refugiados
O Sudão é um país com tensões permanentes entre a população negra, não muçulmana, e a população árabe muçulmana. Durante os combates entre a elite muçulmana e a população negra, no final dos anos 80 princípio dos anos 90, cerca de 75 mil negros foram expulsos para o Senegal e para o Mali, e um número sensivelmente equivalente de muçulmanos foram recebidos na Mauritânia, depois de terem sido expulsos destes dois países anteriormente citados. A luta pela arabização do país continua.
O Sudão é a excepção, porque não estamos aqui a falar de permutas populacionais, mas sim de um país que comete limpeza étnica e assassina os seus cidadão com recurso a esquadrões da morte [ver Janjaweed]. Desde a ascensão ao poder dos islamistas, o número de casos de limpeza étnica e religiosa continua a crescer, e não só na região de Darfur, que tem sido relativamente coberta pela Imprensa internacional.
As atrocidades ocorridas sob os auspício do regime sudanês continuam a provocar uma vaga imensa de refugiados. Parte destes refugiados são definidos como IDP (pessoas internamente desalojadas), e outra parte refugiaram-se em países vizinhos, como o Chade. A juntar-se aos milhões de vítimas que foram mencionadas no último artigo [ver O Mundo Permanece em Silêncio (parte I)] estamos a falar de entre 3 a 4 milhões de pessoas forçadas a abandonar as suas casas.Até agora não se conhece que tenha acontecido uma única manifestação no mundo árabe criticando o genocídio ou a limpeza étnica ou a imposição religiosa. O Sudão está assim há muitos anos. Impede ajuda internacional. Persegue jornalistas e activistas de organizações de ajuda humanitária. Atrasa forças militares enviadas pela ONU. E a limpeza étnica continua imparável. Em conformidade com os últimos anos, o Sudão é o país que mais refugiados dá ao mundo.

Os refugiados de Chipre
O caso de Chipre é particularmente interessante. A população de Chipre é 80% grega e 20% turca – turcos chegados com a expansão do Império Otomano. Em 1974, a Turquia invadiu o Chipre no seguimento de um golpe militar que ameaçava unir a ilha à Grécia. A invasão trouxe com ela a divisão da ilha em duas entidades separadas: uma grega, outra turca. Cerca de 200 mil refugiados gregos foram forçados a mudar-se para o lado grego da ilha, e cerca de 50 mil muçulmanos fizeram o caminho em sentido oposto. A invasão turca criou um “estado” separado para os turcos que o mundo não reconhece.
Os turcos trouxeram à parte da ilha que conquistaram cerca de 100 mil colonos, isto para além de uma presença militar de dezenas de milhares de soldados, que instaurou, na prática, uma ditadura militar.
Desde a divisão da ilha, a parte grega floresce, não há campos de refugiados, não há terror, e não há “indústria” de incitamento que justifique qualquer tipo de terrorismo contra os turcos. Por outro lado, a parte turca sofre de estagnação, de elevados níveis de desemprego e de uma péssima economia.
Mesmo assim, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, liderou um amplo acordo em 2004 [ver Annan Plan for Cyprus]. Num referendo que teve lugar na parte grega da ilha, os gregos rejeitaram o acordo. Mas para nós, para efeitos de análise, o importante aqui são as directrizes para resolver o problema dos refugiados, que foram reconhecidas pela comunidade internacional e pela União Europeia: o acordo reconhece a singularidade demográfica de cada uma das partes da ilha.
Não há qualquer reconhecimento lato do direito de retorno. O direito de retorno dos gregos foi limitados apenas àqueles com idade superior a 65 anos, e mesmo assim apenas sob a condição de que os retornados não ultrapassem 10% da população geral turca, ou 20% em qualquer localidade específica. A intenção da comunidade internacional, tal como nos casos anteriores, é manter a hegemonia demográfica.

O mundo é indiferente aos refugiados(desde que não sejam palestinianos)
Os casos aqui revistos estão longe de descrever de forma adequada as migrações populacionais ocorridas nos últimos 100 anos. Algumas organizações estimam que o número de pessoas deslocadas pelo regime comunista dentro da antiga União Soviética ronda os 65 milhões. Os conflitos em África, tal como as intermináveis guerras civis no Congo e na Somália, produziram milhões de refugiados. A maior parte destes não recebeu qualquer tipo de ajuda. E certamente nunca tiveram a sua própria organização de auxílio na ONU.
Certamente que estes refugiados gostariam de receber o mesmo tratamento dado aos palestinianos, mas o mundo parece indiferente ao seu destino. Para eles há outros critérios. Além de várias organizações de ajuda humanitária com parcos orçamentos e recursos, eles são deixados à sua própria sorte. O grau de exposição mediática que recebem e a atenção internacional que lhes é devotada é insignificante, quando comparada com os refugiados palestinianos, em relação aos quais existe uma campanha internacional de sinal oposto: para intensificar o problema, para o manipular de forma a que o número de refugiados aumenta de ano para ano.
A maioria das movimentações populacionais que analisei acima (sem incluir o Sudão!) resultaram em cerca de 38 milhões de pessoas que foram absorvidas em países dentro dos quais faziam parte de uma maioria demográfica. Mas apenas os 700 mil palestinianos se tornaram um “problema” que é perpetuado pela ONU, pela comunidade internacional e pelo mundo árabe, com o encorajamento de académicos e jornalistas, de milhões de livros, artigos e publicações, que impedem os leitores de terem acesso aos factos reais e a uma perspectiva comparativa em termos internacionais.
A solução para o problema palestiniano não passa pela transferência. Os tempos hoje são outros. São tempos em que um regime assassino como o do Sudão não pode ter autoridade para forçar a movimentação de populações inteiras. Os movimentos populacionais descritos acima – os forçados e os que resultaram de acordos – apontam para uma coisa: o retorno de refugiados e pessoas deslocadas aos locais de onde saíram resulta inevitavelmente em guerra e conflito. A ser executado, um qualquer programa de “direito de retorno” na Europa provocaria um número incalculável de guerras.

Apoio a transferências nos Balcãs,condenação de “transferencistas” em Israel
Os muçulmanos não regressarão à Grécia, os alemães não retornarão à Polónia. Isto não quer dizer que não há espaço para uma minoria muçulmana na Grécia ou para uma minoria alemã na Polónia. Há também espaço para uma minoria muçulmana em Israel, tal como há espaço para uma minoria judaica em Marrocos ou na futura Palestina.
Um caso interessante: o professor John Mearsheimer publicou, com o professor Stephan Walt, um forte artigo – quase na fronteira do antisemitismo – contra o lobby de Israel nos Estados Unidos. A hostilidade contra Israel e a influência de elementos anti-Israel, particularmente daqueles que apoiam o “direito de retorno” dos palestinianos, eram particularmente salientes no seu conteúdo.
Mas o mesmo Mearsheimer publicara um surpreendente artigo em 1993 no qual abordou, entre outras coisas, a solução do problema dos Balcãs. Mearsheimer escreveu que “têm de ser criados estados hegemónicos do ponto de vista étnico” e que croatas, muçulmanos e sérvios teriam de fazer concessões territoriais e deslocar populações.
Este é o mesmo John Mearsheimer que se tornou um herói da extrema-esquerda – internacionalmente e em Israel – por um lado, e por outro de David Duke (Klu Klux Klan), um dos mais proeminentes antisemitas da actualidade nos Estados Unidos. No seu artigo hostil a Israel, incidentalmente, Mearsheimer acusa os israelitas de apoiarem a transferência da população árabe que actualmente vive em Israel. Ele baseia isto em sondagens e em manipulações de sondagens, mas convenientemente esquece-se de mencionar que os partidos que apoiam esta transferência nunca alcançaram qualquer apoio popular ou eleitoral significativo.
Isto é ainda mais estranho atendendo ao facto do ilustre professor defender, ele próprio, as transferencias populacionais nos Balcãs, escrevendo: “a criação de estados hegemónicos vai exigir a transferência de populações e o traçar de novas fronteiras.” Poderíamos pensar que um proponente da transferência se agarraria a este argumento como se de um valioso tesouro se tratasse. Mas a questão não é a transferência. A nossa questão é ter regras internacionais aplicadas de forma justa e uniforme. John Mearsheimer é um exemplo da indústria da dualidade de critérios, que por si é responsável pela criação da indústria do “direito de retorno”.

Os negros são refugiados inferiores, os palestinianos são refugiados superiores
Todas as trocas populacionais analisadas anteriormente têm entre si um denominador comum de concordância internacional: a criação de Estados hegemónicos do ponto de vista étnico e religioso de forma a prevenir conflitos. Isto não quer dizer que se deva aspirar a uma completa hegemonia. O entendimento internacional em relação à homogeneidade, tal como se manifestou no Acordo do Chipre, é um modelo correcto para resolver o problema dos refugiados palestinianos.Se o mundo aplicasse aqui a mesma posição tomada para outros grupos – alemães, indianos, paquistaneses, etc. – não haveria hoje qualquer problema de refugiados. Mas a ONU decidiu, num erro que ficará na história das más decisões, lidar de forma diferente com os palestinianos. Esta é uma posição que se assume como uma intrínseca declaração de desigualdade. Os palestinianos são refugiados privilegiados. Os negros são refugiados inferiores.
A comunidade internacional segue as deixas da ONU. Mesmo que formalmente não apoie o “direito de retorno”, financia a indústria do “direito de retorno”. A União Europeia ajuda largas dezenas de organizações que o incluem nos seus objectivos. Segundo o princípio internacional, os palestinianos têm o direito de ser absorvidos pelo Estado Palestiniano, que será estabelecido apenas se os palestinianos optarem por viver num país ao lado de Israel – e não em vez de Israel.

Aqueles que exigem o direito de retorno dos palestinianosnegam a existência de Israel
A declaração segundo a qual cada país tem o direito de manter a sua hegemonia étnica e religiosa e que os que os refugiados que residem num local onde pertencem à maioria étnica e religiosa não têm direito de retorno, também sujeita Israel. Isto significa que mesmo que a Judeia e Samaria [Cisjordânia] sejam parte integrante da pátria histórica dos povo judeu, os judeus não tem o direito a retornar, tal como os refugiados palestinianos não têm o direito a retornar a Israel, mesmo que esta tenha sido a sua pátria histórica.
Tem de haver uma regra que se aplique aos alemães que foram absorvidos pela Alemanha , aos hindus absorvidos pela Índia, aos muçulmanos absorvidos pelo Paquistão, e esta regra estipula que os judeus têm o direito de regressar a Israel, mas não à Palestina, e que os palestinianos têm o direito de retornar à Palestina, mas não a Israel.
A negação absoluta do direito de retorno è também um derivativo não só da situação internacional, mas também do direito à autodeterminação. Os palestinianos têm esse direito, tal como o têm os judeus. E aqueles que exigem o direito de retorno para os palestinianos, e apenas para eles, basicamente negam, em palavreado branqueado, o direito à autodeterminação dos judeus. E só dos judeus.

Os muçulmanos têm de assumir a responsabilidade pelos refugiados
Não se pode culpar Israel pela perpetuação do problema dos refugiados palestinianos, mas as responsabilidades devem ser assacadas à comunidade internacional. Em vez de um remédio, lançou-se sal nas feridas. Manipulou-se o assunto. A ironia do destino, e esta é uma amarga ironia, é que esta duplicidade de critérios só aumenta o sofrimento palestiniano. Perpetua o seu sofrimento. E evita que se encontre uma solução.
O dia em que o mundo abandonar esta duplicidade de critérios será um dia de boas notícias para os palestinianos. Será o primeiro dia em que o nível do seu sofrimento começará finalmente a decrescer. Será o dia em que deixarão de ser peões de um complexo xadrez de interesses políticos. Em seu benefício, em benefício do ideal da paz, seria bom que este dia chegasse.
Israel cumpriu já a sua parte ao absorver os judeus que chegaram como resultado do mesmo conflito que fez com que os palestinianos deixassem Israel. A responsabilidade pelos refugiados palestinianos deve ser assumida pelo mundo árabe e pela comunidade internacional.
A Alemanha recebeu os alemães. A Índia recebeu os hindus. O Paquistão recebeu os muçulmanos. Israel recebeu os judeus. Dezenas de milhões de refugiados foram absorvidos nos países para onde se deslocaram – onde se integraram sempre entre as suas maiorias religiosas e étnicas. Era já tempo do mundo árabe receber os refugiados palestinianos.
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Mais uma vez, decidi traduzir e publicar aqui este extenso artigo de Ben Dror Yemini porque achei extraordinariamente importante dá-lo a conhecer aos leitores deste blog. Esta análise, meticulosa e aprofundada, do problema dos refugiados palestinianos faz ruir as ideias preconcebidas que prevalecem principalmente na Europa, ao enquadra-lo numa perspectiva global, comparando-o com problemas de refugiados no resto do mundo e com as soluções encontradas para cada caso (com todas elas a levarem a uma absorção integral dos refugiados em países de acolhimento, seguindo padrões de hegemonias demográficas).
O facto do problema dos refugiados palestinianos ter sido perpetuado por razões políticas é indiscutível. Tal como é indiscutível que os refugiados palestinianos têm sido tratados, tal como refere Dror Yemini, como meros peões de um complexo xadrez de interesses, com os países árabes a negarem-lhes sistematicamente a oportunidade e o direito à integração.
Em 1957, na Conferência de Refugiados de Homs, na Síria, foi aprovada uma declaração onde se podia ler: “Qualquer discussão para a solução do problema palestiniano que não seja baseada do direito dos refugiados aniquilarem Israel será encarada como um sacrilégio pelo povo árabe e como um acto de traição” (Beirut al Massa, 15 de Julho de 1957).A Liga Árabe deu instruções aos seus estados membros para negarem cidadania aos refugiados palestinianos, e aos seus descendentes, “para evitar dissolver a sua identidade e o direito de retorno à sua pátria.” A Jordânia, que controlou os territórios palestinianos da Judeia e Samaria (Cisjordânia), foi o único país árabe a conceder direitos de cidadania aos refugiados palestinianos.
Em 2004, por exemplo, a Arábia Saudita aprovou uma nova lei de cidadania que outorgava a nacionalidade saudita a todos os estrangeiros que residam no país durante dez anos consecutivos, com a excepção dos palestinianos, a quem esse direito continua a ser negado.
Outro exemplo marcante é o Líbano, onde os refugiados palestinianos são impedidos de comprar terra e de exercer inúmeras profissões – como medicina, engenharia, ou advocacia.
Tal como defende Ben Dror Yemini, a duplicidade de critérios da comunidade internacional, e a intransigente recusa intencional do mundo árabe em integrar os refugiados palestinianos — em profundo contraste com todas as outras vagas de refugiados do mundo – , têm contribuído para fazer do problema dos refugiados palestinianos um nó górdio de proporções inigualáveis.

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