Thursday, December 08, 2011

E agora, senhor Rubem César Fernandes?

Em artigo publicado aqui no MÍDIA SEM MÁSCARA de 09/03/05 eu citei uma entrevista dada pelo senhor Rubem César Fernandes, diretor do Movimento Viva Rio, à jornalista Taís Mendes, publicada em O Globo de 05/03/05, pág. 21. Na referida matéria ele fazia uma apaixonada defesa de William de Oliveira, presidente de uma organização de moradores da favela da Rocinha e acusado de ligações com o tráfico. Para defender seu protégé, o senhor Fernandes comete verdadeiros absurdos e afrontas ao bom-senso ao declarar que o dirigente comunitário, que em vez de chamar as autoridades joga, ou manda jogar no mato fuzis que haviam sido furtados das Forças Armadas, é coerente com o William que conheci. E que: Mentira não chega a ser crime.

Tudo indica que até para o jornal da família Marinho, que publica num mesmo dia anúncios de prostituição e reportagens contra o lenocínio, o destempero verbal do senhor Fernandes, fiel escudeiro do jornal O Globo na campanha do desarmamento, foi longe demais.

A impressão que ficou é que para consertar as coisas, a direção do jornal escalou um jornalista respeitado: Zuenir Ventura, que na quarta-feira, 09/03/05, publicou em sua coluna semanal de 1/3 de página um artigo intitulado Versão Polêmica, onde procurou livrar a cara do dirigente da comunidade da Rocinha. Interessante que um jornalista tarimbado como Zuenir cometa um erro básico e mortal para quem pretende bem informar seus leitores: o de dar voz somente a um lado interessado, “por acaso”, o do senhor William de Oliveira. Zuenir baseia seu artigo em uma entrevista que o dirigente comunitário deu a uma outra pessoa (Xico Vargas) em um site chamado Nominimo. Entretanto nada o impediria, em nome de um jornalismo isento, que Zuenir telefonasse para o secretário de Justiça e ouvisse sua versão dos fatos, de vez que as acusações eram graves e incluíam o próprio titular daquela pasta.

Aproveitando a oportunidade única que lhe era oferecida, o dirigente comunitário posou de vítima do sistema e de uma armação da Polícia. Segundo ele, o doutor Marcelo Itagiba, secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro não queria que o Ministro Edson Vidigal do STJ, que tinha uma visita planejada à favela da Rocinha, se encontrasse ‘com um dirigente de nada, um preto favelado’ (Atenção: isto é transcrição literal do que foi dito na matéria escrita por Zuenir). William reiterou que tudo o que querem é arruinar sua ilibada reputação e Zuenir encerra a matéria com as seguintes palavras: “Há informações que William diz só fornecer à Justiça. A ela caberá decidir se houve de fato armação política.”

A matéria de Zuenir teve pronta resposta do doutor Itagiba, publicada na seção de cartas de O Globo de 10/03/05 que negou categoricamente a frase racista a ele atribuída, e mostrou fatos e ações da PM e da Polícia Civil na verdadeira Zona de Guerra que é a favela da Rocinha.

Por uma dessas ironias da vida, no domingo seguinte, a revista Veja de 16/03/05, trouxe uma extensa reportagem intitulada O Fio da navalha, com transcrições de conversas do líder comunitário onde fica exposto todo o envolvimento de William de Oliveira com o crime organizado. Ao contrário das unilaterais afirmações de Rubem César Fernandes e Zuenir Ventura, a matéria de mais de três páginas da Veja traz testemunhos de pessoas com vasto conhecimento dos problemas das favelas: a antropóloga Alba Zaluar, que há 25 anos estuda a violência nas favelas e o domínio do tráfico, e do deputado Carlos Minc, que comprovam as espúrias ligações entre o tráfico e um substancial número de lideranças comunitárias em favelas.

O capítulo seguinte da emocionante novela aconteceu no dia 17/03/05 quando o Secretário de Segurança Pública e o senhor Rubem César Fernandes foram solicitados pelo Globo a expressar suas opiniões sobre O Caso Rocinha. Não vale a pena aqui fazer uma análise profunda do artigo do doutor Itagiba, uma vez que este se concentra em demonstrar com números a ação da polícia em comunidades como a Rocinha e outras. Do que ele escreveu discordo apenas quando diz que nos últimos dois anos mais de 30 mil armas foram retiradas das mãos de criminosos. A razão de minha discordância é a matéria publicada em O Globo que informa que a polícia apreendeu, em 2004, 880 armas (18/01/05, pág. 10). Se a afirmação do doutor Itagiba é correta, no ano de 2003 foram apreendidas 29.120 armas, o que me parece um pouco exagerado, se comparado com 2004.

O senhor Rubem César Fernandes em sua matéria (quem sabe, devido a ajuda de um ghost-writer) foi bem mais moderado do que quando faz declarações aos jornais. Até aí nada demais: ele está na boa companhia do Presidente da República que quando fala de improviso faz inveja aos melhores autores de besteirol. Ele abriu a matéria, intitulada Insurreição pela cidadania, relatando que em 2004 o Movimento Viva Rio desenvolveu 1.134 projetos em favelas e periferias pobres. Segue dizendo que estas ações foram desenvolvidas com 1.380 instituições parceiras. Ele só “esqueceu” de dizer, ou de contestar as afirmações contidas em Veja, que daquele total apenas 73 (5,3%) ações foram em parceria com entidades de moradores. Que explicação teria o dirigente do Viva Rio para o fato? Teria sido também muito interessante se o senhor Fernandes, um dos paladinos da nefanda Campanha do Desarmamento, nos dissesse quantas atividades para o recolhimento de armas, do mesmo tipo que o Movimento Viva Rio leva a cabo quase que em caráter permanente na sua própria sede, em igrejas e em outros locais da cidade, foram também desenvolvidas nas comunidades onde o Viva Rio atua, e quantas armas foram entregues pelos moradores dessas comunidades.

Outro ponto interessante no artigo do senhor Fernandes é a seguinte frase: Não fazemos contato direto com bandidos, nem com a polícia mineira. Está aí uma coisa que não entendi: contato direto o pessoal do Movimento Viva Rio não faz, isto pressup&oti lde;e que eles fazem contatos indiretos? Talvez seja este o papel do senhor William de Oliveira. Fazer a parte dura do trabalho para que o pessoal do Movimento Viva Rio continue recebendo generosas doações tanto do Brasil como do exterior, sem a necessidade de sujar as mãos nem correr riscos. Mais adiante o senhor Fernandes escreve: Preservamos nossa segurança (alguém diria “integridade”) à custa do risco de nossos parceiros. Como alguém pode defender alguém a quem está usando como bucha de canhão? Ainda segundo o senhor Fernandes: os integrantes do Viva Rio receberam a graça de não ter nenhuma só pessoa nossa ferida ou morta em conflito . Enquanto isso 350 líderes comunitários foram assassinados no município do Rio de Janeiro entre 1992 e 2001 (O Globo 20/03/05, pág.17). Como o senhor Ruben César Fernandes está tão orgulhoso das estatísticas das ações do Viva Rio pode acrescentar mais uma: com a segurança e a integridade dos membros do Viva Rio devidamente assegurada, a cada 32 ações comunitárias de sua ONG morre Um dirigente comunitário! Preservar sua própria segurança e integridade às custas do risco de parceiros, senhor Fernandes, tem um nome: COVARDIA.

A pá de cal sobre a pacotilha montada por O Globo, com a participação do senhor Rubem César Fernandes e do jornalista Zuenir Ventura, foi dada pela série de reportagens do jornal O Dia, que se iniciou em 24/03/05, página 3 e se prolongou pelos quatro dias seguintes. Na primeira das reportagens, em uma matéria de página inteira com direito a transcrições das conversas de William com o traficante Bem-Te-Vi e outros marginais da favela da Rocinha, a história inteira é contada. Além de celulares, o amigo querido do dirigente do Movimento Viva Rio, também usava rádiotransmissores para alertar seus parceiros do crime sobre a chegada de policiais. Estes rádios era comprados pela associação de moradores e repassados aos traficantes. Será que alguém tem uma idéia de quem fornecia dinheiro para a associação dos moradores comprar tais equipamentos?

No caso dos três fuzis roubados em 27/07/04 do Forte Copacabana, e comprados por Bem-Te-Vi por 24 mil reais, William Oliveira orientou o traficante a se desfazer das armas, jogando-os na mata junto à vizinha favela do morro do Vidigal. William fora informado de que o Exército estava preparando uma operação na favela para recuperar as armas.

Para julgamento dos leitores transcrevo a seguir o que disse William de Oliveira ao traficante: “Se liga, eu menti pros caras do Exército, disse que as armas não estavam aqui. Agora, se aparecer as peças (fuzis), até eu vou ser preso” (O Dia, 24/03/05, pág. 3). Interessante que o próprio William reconheceu que a mentira poderia levá-lo para a cadeia. Já o senhor Rubem César Fernandes, com a inocência das almas puras, afirmou sobre o caso: “Mentir não é crime”.

Na sexta-feira, dia 25/03/05 o mesmo repórter, Sérgio Ramalho, publica em O Dia, pág.12 outra extensa reportagem onde transcreve mais fitas mostrando toda extensão do envolvimento do líder comunitário e darling do senhor Rubem César com os traficantes da favela da Rocinha. Chega a ser repulsivo o trecho onde William manda um funcionário da União Pró-Melhoramentos ligar para o comandante do batalhão da PM e denunciar policiais militares que faziam uma blitz no morro (O Dia, 27/03/05, pág. 18). O crime desses policiais? Serem honestos e estarem atrapalhando os negócios dos traficantes.

As fitas com as gravações das conversas entre o líder comunitário e os traficantes foram enviadas pela 16ª DP (Barra da Tijuca) ao Instituto de Criminalística Carlos Eboli a fim de serem periciadas. Esta providência é importante, não só do ponto de vista da justiça como também para que os leitores de O Globo, que leram na coluna do jornalista Zuenir Ventura, que “ele (William de Oliveira) afirma que gravações foram adulteradas para comprometê-lo”, saibam que a verdade é bem diferente daquilo que o líder comunitário afirma a seus amigos e defensores.

Depois disso tudo o que fez o jornal da família Marinho, tão rápido em mandar ou aceitar que um de seus mais conceituados articulistas fizesse a defesa de um marginal? Nada! Sobre o assunto o jornal O Globo mergulhou no mais profundo silêncio.

Infelizmente para William de Oliveira, presidente da União Pró-Melhoramentos da Rocinha, a Justiça tem um entendimento a respeito de “coerência” e “mentir não é crime” diferente daquele do seu protetor, senhor Rubem César Fernandes. Em 17/03/05 William teve sua prisão preventiva decretada novamente. Os agentes da Polinter, encarregados de executar a prisão, foram recebidos na favela com tiros e bombas de fabricação artesanal. Ao que tudo indica o dirigente comunitário, ao desaparecer, perdeu uma oportunidade única de ser coerente com o que sobre ele havia escrito o jornalista Zuenir Ventura: usar aquela oportunidade para fornecer à Justiça as tais informações que diz possuir.

Na madrugada de 29/3/05, quando tentava evadir-se da favela da Rocinha no banco traseiro de um carro, William foi reconhecido por policiais e preso. Ironicamente, William de Oliveira vestia uma camiseta com a inscrição “A Gente Faz Paz”, camiseta esta distribuída pelo “Movimento Viva Rio”. Quem leu as matérias de Veja e a devastadora série de reportagens sobre o assunto publicadas pelo jornal O Dia, há de achar pouco ortodoxa a maneira que o líder comunitário tem de fazer paz.

Ao manifestar-se sobre o assunto O Globo foi bastante moderado, talvez porque seus leitores já houvessem assistido na véspera as declarações dadas por William ao Jornal Nacional. Ao contrário de O Dia, o jornal da família Marinho não explicou a seus leitores que a inscrição “A Gente Faz Paz”, estampada na camiseta de William, e claramente visível na foto do dirigente comunitário na página 20 de sua edição de 30/03/05, era patrocinada por sua ONG parceira, o Movimento Viva Rio.

Em “defesa” de O Globo é preciso dizer-se: desta vez, escaldados com a ri dícula reportagem de 05/03/05, a direção do jornal não correu a ouvir a opinião do seu interlocutor favorito, o senhor Rubem César Fernandes, O Coerente.

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